Vamos voltar milhões de anos atrás quando eu era um pré adolescente, a mania na época era encapar os cadernos, ter um minigame e um walkman com fita k7 daqueles bem baratinhos coloridos comprados no camelô.
A minha idade era de uns 13 para 14 anos, e estudava em São Paulo, na rua da Consolação.
A minha mãe era apaixonada por um cara de 19 anos que estava na cadeia por ter assaltado um banco em grupo. Esse rapaz tinha uma mãe rabugenta que eu irei chamar aqui de Emengarda. Emengarda tinha 3 filhos que eu irei mudar o nome também: Cacielson de 12 anos, Emilton de 15 anos e Silvano de 19, o que estava na cadeia.
Eu e minha mãe conhecíamos Emengarda já de longa data, pode-se dizer, por ironia do destino, que quem fez a minha mãe conhecer Emengarda foi eu, afinal quando eu era muito mais novo, eu ia brincar com os filhos dela quintal das nossas casas.
Nós morávamos num sobrado e devido a crise, acabamos sendo despejados pelo dono do imóvel. Fomos morar num malocão horrível na Barata Ribeiro. Semanas depois quem seria despejada era Emengarda, a minha mãe com pena e motivada pela sexualidade dela, se solidarizou com Emengarda e mandou ela ir lá para o nosso malocão, era um malocão mas era espaçoso, tinha um quarto sobrando no nosso apartamento malocônico e minha mãe disse que Emengarda poderia ir pra. Ela foi e levou os seus dois filhos.
Cacielson e Emilton estudavam na mesma escola em que eu estudava, eles na terceira série e eu na quarta. Eu apanharia mais tarde Emilton de 15 anos mantendo relações sexuais com a minha mãe, uma experiência muito nogenta, podre e humilhante mas isso eu irei falar em outro momento.
Emilton , era briguento , homofóbico e meio sociopata, adorava montar time de futebol na escola, é importante lembrar que mesmo Emilton sendo assim, ele apanhava muito na infância dos outros meninos na escola, outra informação interessante é que Emilton ficava falando as vezes de dicas que havia aprendido do seu irmão que estava na cadeia: segundo ele, você até poderia comer um travesti, o importante era só não deixá-lo o comer depois…
Bom, então nessas idas e vindas, chegou um momento que eu Cacielson e Emilton saíamos do malocão e íamos meio dia para a escola.
Num certo dia no pátio do colégio onde nós estudávamos eu notei um rapazinho cheio de amigos e com um olhar muito vívido, ele se chamava Hélio(nome real mesmo, não inventei), ele também me olhou quando estava falando com um de seus amigos, ele me olhou com um olhar meio de sarcasmo e malícia mesmo não me conhecendo. Cacielson e Emilton eram hóspedes na minha casa mas quando chegávamos na escola, era cada um para o seu lado, a gente se falava mas era pouco, eu por ser homossexual sempre ficava na escola mais isolado, sozinho, andando sem destino na hora do recreio de um lado para o outro, não que as vezes eu não me enturmasse mas por padrão, o meu estilo natural era de eremita mesmo. Até hoje eu sou desse jeito. No Brasil eu me sentia mal por ser assim, já na Alemanha eu me sentia mais respeitado.
Bom, nesse dia que eu vi esse rapaz de olhar tão vívido e meio malicioso no pátio do colégio eu senti paixão à primeira vista. Hélio era um menino bem carismático, para vocês terem uma ideia de como ele era, eu digo que ele parecia um pouco com o Kayky Brito da TV mas com cabelo meio chanel bem preto, a sua maior marca imitada por alguns de seus amigos era jogar a franja dos seus cabelos sempre para o lado, principalmente quando ele estava suado e jogando futebol.
Quando o Hélio me olhava, ele olhava sem medo, bem lá no fundo mesmo, algumas pessoas que acreditam em vidas passadas acham que isso é um sinal de termos nos conhecido em outra vida, enfim, não era um olhar de atração ou sexo mas sim um olhar que dizia mais ou menos assim:
“hum, safadinho, eu já te conheço!”
Nossa! Como eu gostei daquele rapazinho! E eu esclareço uma coisa que muitos homofóbicos como Olavo de Carvalho disseminam por aí: ao contrário do que se pensa, quando eu estava apaixonado pelo Hélio o que menos pensava era em fazer sexo com ele, eu gostava dele mas era um gostar de poder estar ao lado dele, fazer parte da vida dele, era uma coisa mais nobre e menos sexual, não que não houvesse interesse sexual, mas esse interesse era bem secundário, também não tinha a ver ao fato de eu ser novo, afinal na mesma época eu sentia atração sexual vulgar por outros caras.
As coincidências foram se acumulando: eu descobri que Hélio estudava na mesma classe em que Cacielson e Emilton estudavam, pra mim isso era o máximo, afinal era como se parte do Hélio estivesse perto de mim em casa também. Eu era muito chato: ficava infernizando Cacielson e Emilton sobre Hélio, eu queria saber todos os detalhes, manias e gostos do Hélio, toda hora eu ficava puxando assunto sobre o Hélio com eles, toda hora eu pronunciava o nome do meu amado dentro de casa, estava ficando óbvio que eu estava fissurado e fascinado pelo menino.
Hélio tinha uma irmã também carismática, ela se chamava Lucinete e estudava na mesma sala em que eu estudava. Lucinete era o tipo que todo viado gosta de seguir e se inspirar, eu vivia me arrastando atrás dela mas não me sentia muito bem com isso.
Hélio e Lucinete embora fossem bem sociáveis tinham personalidade forte, o mais sossegado mesmo era Erivaldo, outro irmão de Hélio, mais parecido ainda com Kayky Brito por não ter cabelo chanel. Eu tinha maior despeito da namorada de Erivaldo, eu vivia provocando a menina a chamando de “namoradinha do Erinaldo”, até que um dia ela gritou comigo:
– Se você tá com inveja, arranja um namorado para você também!
Fiquei passado, afinal eu não era assumido na época.
Hélio em suas brincadeiras na escola chamava muito a atenção dos demais, eram várias meninas e meninos ao seu redor, ele parecia Neymar, era um tipo de abelha rainha , todos queriam estar à sua volta, e não eram dez ou quinze pessoas não, eram centenas de adolescentes gritando o seu nome igual torcida de futebol gritando em homenagem ao seu ídolo. Eu reparava em tudo nele, eu gostava muito daquele menino, eu ficava até de madrugada falando com Cacielson e Emilton sobre assuntos que propositalmente envolviam o Hélio.
Então eu fiquei sabendo que Hélio havia montado uma turma com nome estranho dentro de sua classe chamada “GRE Turma dos Pampas”. Para rivalizar com ele e ao mesmo tempo chamar a sua atenção, na minha infantilidade eu decidi criar uma turma também, coisa de portador de trastorno borderline. Criei a minha turma, ela era mais organizada, tinha cartão, espiões, hierarquia relativamente complexa com dois vices comandando duas partes pessoas, se uma parte se rebelasse mesmo assim eu teria o comando de outra.
Pois bem, o que eu queria eu tinha conseguido: a minha turma começava a se conflitar com a turma do Hélio, era essa forma que eu encontrei de chegar a ele, sendo igual ou pior. O que vocês queriam? Que eu fosse até ele sozinho dizer: –olha, eu tou apaixonado por você? Eu não! Eu sempre tive medo dos caras que eu gostei. Claro! Na condição de viado você sabe que o “não” é sempre garantido e a violência é uma possibilidade. Então eu pedia que Cacielson e Emilton espionassem a turma de Hélio e eles faziam essa função bem, só não sei se eles também não me espionavam para ele.
Era tenso mas muito gratificante, vira e mexe, eu não me lembro agora os motivos, mas as nossas turmas entravam em pequenos conflitos, toda semana era um tal dos emissários do Hélio me tocarem nas costas me dizendo assim: “O Hélio quer falar com você hoje no recreio!”, eu tinha conseguido o que eu queria. De tempo em tempo eu recebia intimações do Hélio para ir falar com ele. Eu ia cercado com os caras da minha turma e ele estava também com os caras da turma dele, ele era mais emocional do que eu, era esquentado, ficava me dando feedback , colocava o dedo no meu peito mas eu via que ele não aguentaria um tapa se ou meus amigos dessem. Eu ficava escutando as broncas dele como música mas eu tinha que disfarçar, era um misto de tensão com gratificação, ele ficava nervoso e com isso as suas bochechas ficavam rosadas e suadas , os caras da minha turma queriam acabar com ele mas eu os controlava, eu tinha pena pois embora Hélio fosse mais estourado, eu sentia que em termos de potencial pra briga, a minha turma estava muito mais preparada que a dele. Eu adorava ver o menino por quem eu estava apaixonado , ali na minha frente, me tocando, suando, como todo mundo em volta. Não era uma situação positiva mas era melhor do que nada.
Pois é, eu chegava em casa depois e ficava pensando e repensando o tempo todo no que eu falei para o Hélio e no que ele havia falado pra mim, eu ficava reparando mentalmente em cada gesto, fala e acontecimento que envolvia nós dois, para vocês terem ideia eu era gordinho e passei a emagrecer por isso, eu ficava olhando pro nada na frente de todo mundo, caído na cama escutando
uma música muito densa para ser ouvida por um menino de 14 anos, eu ficava ouvindo
Praying for Time do George Michael, todo mundo em casa perguntava o que eu tinha, tava muito na cara.
Uma vez o Hélio esqueceu o seu minigame na sala e então Cacielson e Emilton decidiram o levar pra casa para entregá-lo no outro dia para ele. Quando eu soube que aquele minigame era do Hélio eu fiquei todo contente e querendo tocá-lo, Cacielson e Emilton percebendo a minha cobiça, começaram a me falar propositalmente que o minigame era do Hélio e se eu queria ver, eu então peguei e fiquei jogando, quando eu estava sozinho, eu ficava cheirando o minigame para ver se sentia o cheiro do cara que eu gostava! Aquele minigame representava o Hélio dentro da minha casa e eu adorava essa sensação.
Teve uma noite que eu e Cacielson , ao meu pedido, saímos de noite, eu queria saber mais ou menos onde Hélio morava , andamos num monte de boca do lixo nas ruas do centro de São Paulo porem sem sucesso, não tínhamos a localização exata onde ele morava. Só sei que as vezes Hélio e sua família tomavam também o ônibus Patriarca 7272 para voltarem pra casa as seis da tarde.
Todos os dias, ao contrário do normal, eu ia motivado para a escola por saber que eu veria Hélio, quando eu o via, era tipo ver uma alma penada, uma celebridade, sei lá, eu nunca ficava indiferente à presença dele.
Passou-se alguns meses, acho que um ano até e Hélio arrogantemente propôs a mim um desafio final para acabar comigo e minha turma: ele queria uma briga de turmas mas dessa vez fora da escola, então escolhemos o local e perguntei se ele queria realmente isso, ele quis!
O local era a praça Roosevelt, na época essa praça tinha 2 andares.
Eu falei com os meus dois vices: André e Medson sobre o desafio, os dois prontamente quiseram participar, eles nutriam um sadismo por parte do Hélio, por conta deles eles se armaram até os dentes, não que eu tivesse pedido isso, mas eles não eram os meus vices à toa… Medson fazia parte de uma gangue de verdade da Vila Buarque, André adorava artes marciais. Estava feito!
Eles foram no dia proposto por Hélio na tal praça Roosevelt, eu não me senti muito bem com isso mas não havia sido eu que havia convocado o confronto. Fiquei com remorso por ter deixado
André e Medson darem conta da turma do Hélio, mas uma vez provocado, se eu tivesse recusado, eu iria levar fama de fraco.
No outro dia, Hélio veio todo cabisbaixo e assustado falar comigo, eu tinha sido informado que havíamos sido de longe, vitoriosos, mas Hélio veio me confirmar isso, dessa vez ele estava todo humilde e dizia que os caras da minha turma haviam apelado para o uso das mãos e das armas também. Eu fiquei sem ter o que falar, apenas fiquei meio arrependido , porem depois disso Hélio havia ficado menos agressivo comigo, as brigas entre turmas haviam acabado!
Ao chegar em casa, fiquei com o coração cortado por Hélio ter encontrado essa única maneira de ser menos agressivo comigo, mas enfim, eu não poderia fazer mais nada.
Bom, dias se passam e Cacielson e Emilton vivem organizando jogos de futebol com pessoas do colégio como sempre. Teve uma vez até que Emilton me pediu para escalar o time sem ninguém saber, escalei, mesmo sem entender nada. Claro, o Hélio fazia parte da equipe.
Até que em um dia de sábado aconteceu uma coisa muito feliz pra mim: estava eu, Cacielson e Emilton sozinhos em casa sem termos o que fazer, na época não existia internet para civis. Então Emilton me disse que ia na casa de Hélio mais o irmão dele, ele falou que Hélio havia convidado os dois para irem jogar bola no campinho ao lado da casa dele, eu descobri que casa de Hélio era no edifício São Vito ou Mercúrio, não lembro muito bem, só sei que era em frente ao Mercado Municipal de São Paulo. Nossa! Eu fiquei que nem uma criança ir com eles, mesmo não sabendo jogar futebol, me ofereci para cuidar dos pertences deles enquanto eles jogavam, Emilton me advertiu que eu e Hélio eram inimigos famosos e que talvez eu não fosse bem recebido por ele, ele me aconselhou a não ir. Eu insisti muito e me comprometi a se o Hélio não me quisesse lá, poderia falar que eu iria embora!
Pois bem, fomos na cara de pau em direção a casa do Hélio, o local era boca do lixo mesmo, mas quando a gente se apaixona, enxerga os piores locais como se fossem um paraíso. Então chegamos no prédio do Hélio,
eu me senti uma princesa indo ao encontro do meu príncipe encantado, eu via aquele prédio com muita ansiedade, entramos, subimos e lá estávamos: eu estava em frente a porta de um dos caras que eu mais gostei na vida, com medo de ser rejeitado e com toda rasão. Então tocamos a campainha e quem atendeu era uma mulher magrinha, era a mãe dele, ela ficou com medo de nós achando Hélio havia aprontado alguma coisa, é… pelo visto Hélio fazia algumas coisas erradas por aí que eu não sabia… A sua mãe nos disse que qualquer coisa de errado que ele teria feito, era para falar com ela. Me deu uma pena! Ninguém estava ali para agredir o filho dela, Emilton estava eté com uma bola de futebol nas mãos para chamá-lo, então tivemos de convencê-la que não queríamos fazer mal a ninguém, passou alguns minutos e ela foi convencida, então ela foi lá chamar o Hélio. Ele então chegou, cumprimentou a todos, inclusive eu, fiquei quietinho mas fascinado, nesses anos todos, foi a primeira e última vez na minha vida que eu recebi permissão para entrar na casa de um cara que eu gostava exclusivamente para falar com ele e com o consentimento dele. Hélio me cumprimentar me deixou no céu, os caras que moravam comigo percebiam como eu estava vidrado! Hélio fez um negócio na cozinha chamado “chamgrego” e nos ofereceu, era feito de faria de trigo e água, eu fiquei tão tocado com aquilo, embora eu me senti meio que penetra em uma festa. Hélio aparentava estar bem animado e nem achou ruim de eu estar ali, pelo menos se achou, disfarçou bem. Eu me arrependi mais ainda do que a minha turma havia feito com ele, mas enfim, ele que havia começado o desafio.
Então fomos pra rua nós quatro, os meninos foram para um caminho perto do palácio das industrias
e eu
fiquei cuidando dos pertences deles enquanto eles jogavam bola, Hélio ficava sempre com gotinhas de suor ao lado do nariz e sua bochecha ficava rosada, eu via tudo aquilo fascinado, até que o Hélio perguntou em tom de uma provocação saudável: – E ele, não quer jogar também?
Eles falaram que eu não jogava e eu agradeci, eu estava hipnotizado, eu adorava ver Hélio se dando bem comigo e jogando bola e suado, ele se sentia bem com aquilo. Que vontade que eu tinha de abraçá-lo! Hélio falava com todo mundo, até mesmo com os mendigos na rua ele era acostumado a conversar, ele era realmente um menino carismático.
No final do dia fomos embora, Emilton na maldade me perguntou se eu havia gostado de ir na casa do Hélio, eu poderia não ter assumido a minha homossexualidade mas era evidente pra todo mundo que eu era louco pelo Hélio.
No outro dia na escola, Hélio já colocava os braços no meu ombro quase me abraçando por completo, ele fazia isso com outros caras mas agora era comigo. Eu adorava, nenhum cara nessa minha vida havia feito isso. Hélio tinha a namorada dele, afinal, além de ser carismático, ele era bonito também, o nome dela era Josefa e também estudava na minha classe, ela irmã de
Ciro Sato Chima, o cara da farmácia lá de Higienópolis, ali da rua Itambé com Antônia de Queiroz.
Eu sabia que ele tinha namorada mas que eu sentia por ele era tão maior que eu nem sentia ciúmes, a simples possibilidade de estar perto dele já me alegrava bastante. Teve até uma vez em que o Hélio estava tomando coca-cola na escola em uma garrafa, ele começou a conversar comigo e me ofereceu um pouco, não quis pois tenho um nojinho de colocar na minha boca algo que alguém já tenha colocado na boca de outra pessoa. É engraçado pois eu era apaixonado por ele, mesmo assim fiquei ouvindo ele falar enquanto bebia sua coca-cola, ele falou da Josefa e outras coisas, eu nem liguei, só ficava contemplando ele falar. Eu nunca havia ficado sozinho num lugar falando com um cara que eu gostava, isso pra mim era e ainda é novidade absoluta. No final ficamos amigos. Os anos passaram, não o vi mais na escola, nem ele, nem a sua família. Depois de muitos anos eu o vi numa rua todo magrelo e crescido, sabe quando você fica anos sem ver uma pessoa e depois desse tempo parece que perde-se o nexo em ir falar com ela? Pois é, eu vi o Hélio mas todo magrelo e alto mas não quis ir falar com ele, afinal havia se passado anos, ele provavelmente estava sofrendo a metamorfose que todo adolescente sofre e o seu corpo estava esquisito, quando eu o conheci na escola, ela era mais para baixinho mas tudo em seu corpo estava em perfeita harmonia, depois nessa última vez em que eu o vi, ele parecia um grilo. Hoje, milhões de anos depois, acho que ele deve estar mais bonito se não engordou. Nunca mais o vi e eu posso dizer que essa foi uma das minhas principais paixões. Hélio foi a primeira e ultima paixão da minha vida que brigou muito comigo, depois fez as pazes, colocou a mão em meu ombro e me ofereceu coca-cola. Quase um namoro real. Quando nos apaixonados, qualquer lugar se torna bonito!