As vezes eu tenho vontade de chorar muito por não entender a minha condição: nascer de uma forma que eu estivesse condenado a ser rejeitado e mesmo assim manter um sentimento de atração que implora para que eu arrume um cara que eu verdadeiramente goste e que me permita deixar fluir esse meu lado emocional por ele. Mas é tão complicado! Tão triste! O meu sistema emocional não entende que esses rapazes que justamente conseguem fisgar o meu olhar e meu o real interesse afetivo sexual são justamente aqueles que detestam o que eu sou. Alguns associam equivocadamente o meu interesse ao desprezo que eu recebo, mas não é isso, mesmo porque eu me interesso por esses rapazes antes mesmo deles terem a chance de me conhecerem para depois me desprezarem.
Quando eu tinha 15 anos e morava em São Paulo, eu passava todos os dias pela rua
Penaforte Mendes (perto do hoje Shopping Frei Caneca) para ir à escola, nessa mesma rua no número 114 morava um outro menino por quem eu nutria uma discreta paixão, o que hoje em dia é chamado de “crush”, o nome dele era Edgard, ele estudava na mesma escola em que eu estudava, aparentava ser um ano mais novo que eu mas estava duas classes na minha frente, ele tinha uma irmã mais velha que era rabugenta que vivia com ele, eu não gostava daquela menina! Também do lado do prédio dele havia uma sapatona do ginásio que eu detestava , ela morava numa casa que alugava vagas em um estacionamento, uma vez a infeliz até pisou no meu dedo propositalmente quando eu deixei cair uma coisa no chão que eu não me lembro.
Bom, tirando as companhias que tinham perto do Edgard , eu não tinha nenhum problema com ele, eu adorava passar em frente ao prédio dele para vê-lo, sempre que ele me via, mesmo sem me conhecer, sorria. Eu achava aquilo tão gratificante! Edgard sempre usava moletom cinza e uns tênis caros, estava sempre acompanhado de sua irmã megera, nós vivíamos em mundos diferentes: ele era um adolescente de classe média remediada (um pobre não tão pobre mas pobre de forma saudável) e eu um adolescente que morava literalmente num malocão abandonado horrível cheio de bandidos, pobres e pequenos traficantes perigosos sem luz eventualmente. Mesmo com toda essa diferença social, Edgard nunca me fez cara feia, no seu rosto sempre existia um esboço de um sorriso suave quando ele me via na rua. Eu adorava vê-lo mas não falava nada pois mesmo naquela época eu já sabia que amor nunca termina bem pra homossexual.
Na escola, devido à diferença de classes, eu nunca cheguei a conversar com Edgard, mas eu amava quando eu esbarrava sem querer com ele nos corredores, na verdade eu tinha vergonha de mostrar interesse nele, as vezes ele me olhava, as vezes não, mas quando ele me olhava era sempre com um olhar de amizade e nunca de hostilidade, quando ele passava alguns centímetros perto de mim eu ficava tão feliz, eu não sei por qual motivo eu sentia e sinto essas coisas, só sei que sentia e pronto!
Eu sempre sonhei com um amor assim, puro, sem maldades onde um sorriso tivesse mais valor que ir pra uma cama fazer sexo. Pois bem, Edgard nunca me desprezou pelo olhar como acontece com os heteros de hoje em dia na minha vida adulta, ele sempre me olhava com um olhar de Eva Braun, mesmo eu sendo literalmente um miserável na época.
Então eu comecei a sentir a falta desse menino algumas semanas na escola e aí eu tomei coragem: fui à professora dele que também dava aula em minha classe e perguntei onde Edgard estava, ela me respondeu rapidamente sem muitos questionamentos:
–Ah, o Edgard se mudou para o interior!
Eu fiquei sentido, eu não queria que ele tivesse ido! Vejam só, mesmo eu sem trocar uma única palavra com esse mocinho, eu já estava apegado a ele sentindo saudades. Fiquei triste mas engoli seco pra mim mesmo. Fazer o que, não é?
Isso tudo só prova que o amor que eu sinto por alguns heterossexuais não tem relação com o desprezo que eles sentem por mim. O Hélio por quem eu nutri uma outra paixão devastadora um pouquinho antes dessa, foi amor à primeira vista, a gente brigava(discussão mas nada físico) muito na escola mas no fim, fazíamos as pazes, ele nunca me desprezou, teve uma vez até que me ofereceu coca-cola, eu fiquei encantado com esse gesto e até conseguir ir na casa dele depois!
Mas é isso, com a vida adulta você deseja ter mais que um sorriso de quem gosta, não que um sorriso não seja muito valioso na minha condição, afinal hoje em dia os homens me olham mais com cara feia de demônio. Eu queria é ter o mesmo direito que as mulheres têm: poder sorrir para quem gosta sem ser recriminado por isso. Eu queria poder amar, sentir essa coisa pura, amiga e ao mesmo tempo atrativa por um cara que realmente despertasse isso em mim sem eu forçar nada.
Por tudo isso todos os dias , em algum momento eu sinto revolta e vontade de chorar, chorar por não poder viver a sexualidade que o corpo fica me pedindo, chorar por não poder viver aquela paixão que eu sempre sonhei em viver. Sei lá! Eu reparo o meu corpo e falo comigo mesmo: como outro homem vai gostar de mim se o meu corpo é de homem e ainda por cima de um homem bem feínho? Aí me dá mais vontade ainda de chorar, chorar por saber que por mais raiva que eu tenha, o problema do outro não gostar de mim se origina em mim mesmo: o meu corpo. Eu não posso obrigar as pessoas gostarem de mim. Se eu caprichasse no visual do meu corpo eu só iria atrair pessoas erradas que não inspiram absolutamente nada em mim: bissexuais, gays e mulheres.
Se um dia eu morresse e me fosse perguntado o que mais eu quis fazer na vida que eu não pude fazer eu diria que era amar mais! Eu queria ter amado mais as pessoas nessa vida, mas um amor de verdade e não forçado do tipo: ama tal pessoa pra você ser bonzinho e ganhar com isso depois. Eu queria ter demonstrado mais o meu amor, eu queria ter abraçado as pessoas que eu gostei, eu queria ter dado um sorriso a elas, mas não, eu fracassei, me tornei por conta do desprezo recebido uma pedra. Eu me tornei uma pessoa que olha pra baixo para não perceber a desaprovação dos outros. Eu fracassei na vida, o mundo empedrou o meu afeto, hoje em dia tenho que fingir ser assexuado, produtivo e ponderado sem ser, isso me magoa tanto que você não tem noção!
Pode parecer uma besteira para uma mulher que vive trocando de namorado a cada ano desde o dia em que vai para escola, mas pra mim não é: uma vez no meu emprego havia um rapaz que era bonitinho, ele era muito inteligente, tinha muitas namoradas e tal, era daquele tipo que não gostava de viados mas não ao ponto de ir atrás deles procurar briga, se o viado não fosse atrás dele, ele não fazia nada, uma vez ele estava muito atarefado e ao me ver em pé me pediu que eu fosse pegar um copo de água pra ele,pois bem, eu fiz aquilo com tanto orgulho, peguei aquele copo de água como quem estivesse fazendo a coisa mais importante da humanidade, peguei aquele copo de água com tanto amor, com tanta alegria, eu me senti útil. Parecia que aquele rapaz era meu marido, eu me senti tão feliz e ao mesmo tempo culpado por sentir isso, afinal de contas eu nunca tive a oportunidade de agradar aos homens que eu gosto com o corpo que eu tenho, infelizmente eu não tenho buceta mas nesse dia tive a oportunidade de demonstrar o meu carinho através da única forma que o meu corpo pode fazer: pela cordialidade. Só isso me restou.
Estou muito emocionado agora! Deixe-me chorar um pouco pois é a única coisa emocional que me sobrou nos dias de hoje!