A primeira paixão que eu tive na vida. Muitas professoras de sexologia acham que a sexualidade só surge na adolescência, ledo engano. Quando eu tinha sete anos eu lembro que a música que tocava em todas as rádios era Nekita e We are the world, pronto! Era tocar We are the world e eu sabia que era meio dia e tinha que ir para a maldita escola ser humilhado pelos moleques.
Muitos podem pensar que com sete anos um ser humano não quer namorar, não tem interesses sexuais ou afetivos, quanto mais iguais aos meus: ser gay e gostar exclusivamente de homens héteros, mas isso é mentira.
Pois bem, com sete anos eu já gostava de meninos que eram heteros mas um me chamou a atenção e não foi sexualmente mas sim afetivamente. Na minha primeira primeira série(sim, eu tive duas primeiras séries pois eu não queria estudar com sete anos mas sim com onze) , eu ia pra escola acompanhado pela minha mãe e tudo mais.
Na minha sala eu conheci um menino muito lindo, ele tinha um irmão e uma irmã , o seu nome era Alexandre Neumann, ele era magro, branco, cabelos ondulados e preto, seus olhos eram azuis e aparentemente era muito simpático. Eu vivia puxando assunto com esse Alexandre e até que nós nos dávamos bem, com um tempo eu estava apegado a ele e não sabia o que era isso, eu nem sabia o que era paixão nessa época, eu só sabia que queria estar sempre perto daquele menino tão simpático e de olhos azuis, eu gostava dele e não sabia, quando se tem a idade de sete anos temos os sentimentos e as emoções mas não sabemos classificá-los, não temos malícia, não temos medo do mundo pois achamos que esses sentimentos que sentimos acontecem só com agente. Eu nem sabia o que era homossexualidade, para vocês terem uma ideia, eu achava que eu era a única pessoa do mundo que se masturbava, ou seja, eu nem ligava para o que o mundo pensava sobre mim sobre os meus sentimentos, eu apenas sentia.
Meu amigo Alexandre sempre me tratava bem eu eu gostava de estar sempre perto dele, eu não sei o porquê mas beleza dele, os seus olhos azuis e sua simpatia acalmavam a minha alma, eu adorava ter alguém para achar bonito, admirar e poder ser meu amigo. Sabe quando o olhar de uma pessoa lhe deixa feliz? Pois é, eu adorava a presença do Neumann e não via maldade nisso, quando eu chegava na escola, a primeira pessoa com quem eu ia conversar era ele, na sala de aula eu não desgrudava dele, quando ele ia embora, eu sempre ia com ele. Na época eu estudava num colégio chamado Marina Cintra, na Consolação, lá em São Paulo no Brasil.
Para vocês terem uma ideia de como eu achava tudo o que eu sentia normal, eu um dia quando voltávamos da escola, decidi levar Alexandre pra minha casa para mostrá-lo pra minha mãe, eu queria mostrar os meus amigos para ela, eu achava que o que eu sentia por ele era amizade. Minha mãe o chamava de “seu amiguinho” sem nenhum tipo de conotação. Eu ficava muito feliz de tê-lo por perto, só o que me incomodava era a minha pobreza , eu morava num quartinho que mal cabia eu e minha mãe.
Todos os dias eu gostava de ver Alexandre, ele era muito lindo e me tratava bem. Mas um dia as coisas como sempre mudaram: eu vivia tão entrosado com Alexandre a meses que no final ele começava mostrar o seu lado humano e hetero pra mim: quando voltávamos da escola, eu estava entre uma turma de meninos junto com o Alexandre, então um começou a cuspir no outro porem de repente eu era o alvo principal deles, então eu corri em direção à minha casa que naquele momento já era outra e maior, Alexandre junto com os outros meninos iam atrás de mim rindo e me cuspindo, aquilo pra mim foi tão triste, tão apavorante, eu gostava tanto do Alexandre que eu não esperava uma atitude lamentável como essa, ali começou o meu primeiro contato com a malícia, com o desprezo que serviria de modelo para a minha vida inteira. Nossa! Eu sentia uma coisa tão mágica por Neumann , era um amor de criança, algo puro, aquele amor que as pessoas relatam quando têm aquelas experiências de quase morte (EQM) ao verem a tal luz calorosa no fim do túnel, sabe aquele ânimo para viver que um olhar amigo lhe dá? Era isso que eu sentia por ele e de repente a pessoa que me inspirava tantas coisas bonitas, aquele menino de olhos tão lindos que um dia até entrou na minha casa, estava ali unido com outros meninos para me cuspir e me hostilizar, eu não esperava isso dele, afinal eu nunca faria isso com um amigo, vai ver que no fundo ele notava que aquilo que eu sentia não era amizade mas sim amor e instintivamente quis se desgarrar de mim. Ou talvez fosse uma brincadeira normal de meninos idiotas e eu que fiquei dramatizando demais. De qualquer forma eu aprendi que a beleza dos outros pode nos hipnotizar. Nem sempre quem é belo e simpático é equilibrado e bom. No final as mulheres que moravam na mesma casa que a minha me acudiram dando um esporro naquele bando de moleques mal criados que me cuspiam. Tudo bem que os outros me cuspissem , mas eu não esperava isso do Alexandre.
Então o ano letivo passou, eu comecei a sentir mesmo assim uma saudade enorme do Alexandre, nunca mais eu o vi na escola, mesmo eu com oito anos estava na fossa, eu ficava achando que Alexandre estava doente, morto ou algo assim, todo mundo notava que eu ficava olhando pro nada escutando música triste , com tão pouca idade eu já adotava uma música de paixão para lembrar do infeliz, sempre que eu escutava Shy Moon na rádio eu ficava quase chorando por lembrar daquele menino de olhos azuis, o Alexandre. Sempre as pessoas me perguntavam por que eu estava viajando naquela música. Sempre que eu a escutava imaginava Alexandre num hospital doente e isso me dava tristeza, eu queria vê-lo, eu passava as características dele pra todo mundo na escola pra saber se alguém tinha noticia, ninguém se que o conhecia. Alexandre desaparecera da minha vida como um sonho.
Eu fiquei anos e anos pensando do Neumann , eu com tão pouca idade era tipo aquelas mulheres que os seus maridos vão pra guerra e elas nunca mais têm noticias deles mas mesmo assim ainda os esperam, era exatamente isso que eu sentia. Sempre eu ficava triste e com saudades ao ouvir
Shy Moon, aquilo não era normal!
Passado-se bilhões de anos depois, eu estava na sexta série esperando conhecer os novos alunos da minha nova sala de aula. Nem se quer pensava mais em Alexandre, eu já havia pegado a malícia do mundo e já sabia o que era a homossexualidade , eu sabia muito bem que o mundo não me pouparia pela minha minha maldita sexualidade diferenciada, eu não era mais tão inocente como era na primeira séria. Então de repente entra na sala um adolescente que as meninas simpatizavam muito, o apelido dele era Crânio(esse apelido era porque o tal elemento havia roubado um crânio no cemitério da Consolação e com isso acabou obtendo muita fama, foi até parar nos jornais) , aos poucos eu fui percebendo que aquele adolescente com jeito de quem fazia coisas erradas , era nada mais nada menos que o Alexandre que eu tanto gostei, sua pureza havia se perdido também, ele me olhou e deve ter me reconhecido mas nós já não tínhamos mais o que conversar, ele foi pra um lado completamente diferente do meu, virou o “descoladão vida loka” tesão da mulherada e eu o pobre burro da escola que passava de ano com muito esforço. Eu ficava olhando pra ele triste por perdermos a inocência mas nunca mais eu puxei assunto com ele, nem ele comigo.
Depois passaram mais alguns bilhões de anos, eu já era velho, careca e passando pela
Av Nove de Julho em São Paulo eu o vi perto do hospital Sírio Libanês onde ele sempre morou, ele veio de uma direção oposta à minha, já era homem completo, eu olhei rapidamente pra ele e ele me olhou também, eu acho que ele me reconheceu também, eu logo fingi não percebê-lo, afinal eu senti vergonha pois eu é que levou a pior na história e ele pelo visto já havia percebido a muito tempo que o que eu sentia por ele era amor, mesmo sendo puro, era um amor de outro homem. Além do mais eu fiquei muito feio e até hoje me sinto um enganado, até hoje, mais de 40 anos , eu me sinto mal por ter dado vasão a minha vontade de se apegar a alguém e ter levado cusparada na cara. Ele não me olhou feio, mas o dia que ele havia me cuspido, lá pelos meus oito anos de idade, ele também não me olhava com cara feia, pelo contrário, ria. Vai ver que eu havia me apaixonado por um psicopata para variar. Mas enfim, desejo que ele viva a vida dele bem, não tenho rancor, só sinto pena das pessoas perderem a sua pureza para um mundo tão violento e malicioso como é o nosso.
Que vergonha eu sinto de dizer que amei alguém, vergonha porque nunca ninguém jamais sentiu isso por mim, eu até me sinto aqueles pobres falando de coisas de luxo que eles nunca poderão ter.
Eu tinha 7 anos e acreditava no amor, mesmo sem saber o que era, hoje eu tenho mais de 45 e cheguei à conclusão que isso não existe pra quem é igual a mim.
Lição de casa: Nem sempre quem ri pra nós merece a nossa confiança e amizade, mesmo que nos atraia.